Um dos efeitos mais sentidos da pandemia do coronavírus foi o aumento do preconceito de idade, o chamado etarismo, que já era presente na sociedade e atinge principalmente os idosos. Esse termo, do inglês “ageism”, elaborado em 1969 pelo gerontologista americano Robert Butler (1927-2010), um dos principais estudiosos do envelhecimento humano, define práticas de discriminação e desvalorização de pessoas com mais idade. É como foi descrito pela escritora e apresentadora de TV Rosana Hermann, 63 anos, em uma recente postagem nas redes sociais: “Outro dia, por conta de uma pesquisa, cruzei com tweets que se referiam a mim como ‘uma idosa, aquela idosa’, em tom de desprezo no contexto geral. Ainda lamento, mas não sofro mais”.

A professora Ana Flávia Melro, do curso de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas), explica que o etarismo é um preconceito baseado em estereótipos associados à idade e que pode se manifestar através de atitudes individuais até políticas e práticas institucionais, como a não aceitação de idosos no mercado de trabalho – desde a imposição de limites idades nos processos de seleção até as demissões, muitas vezes disfarçadas de programas.

“A idade continua pesando no currículo e sendo motivo de desclassificação em processos seletivos e programas de demissão. Em muitas empresas, ainda existe a ‘aposentadoria compulsória’, que obriga o profissional a deixar a organização ao completar uma determinada idade, mesmo que esteja performando e realizando corretamente seu trabalho”, exemplifica Flávia, destacando que a situação foi agravada pela crise econômica decorrente da pandemia do coronavírus.

Dois dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trazidos pela professora da Unit, dão uma noção mais clara de como o etarismo está presente no nosso cotidiano. As pessoas maiores de 50 anos já somam 53 milhões de pessoas no Brasil, o que equivale a 25% da nossa população. Entretanto, mais de 1,3 milhões de pessoas da chamada “terceira idade” deixaram de trabalhar ou de procurar emprego no primeiro trimestre deste ano. Isso acontece em pleno processo de envelhecimento da população brasileira e mundial.

Ana Flávia considera ainda outro fato que também vem reforçando o preconceito de idade e o estereótipo de fragilidade: a colocação dos idosos como “grupo de risco”, com mais possibilidades de morte ou internação grave pelo coronavírus. A professora pede “cuidado com os rótulos” e análises menos simplistas da questão. “Da mesma forma que a crise traz à tona algumas discussões relativas às pessoas mais velhas, ela também acentua um estereótipo ainda muito comum, que as coloca na posição de frágeis e impotentes – pior ainda, quase como um fardo para a sociedade”, alerta ela, que lembra: “O preconceito etário é universal e todos nós vamos envelhecer, portanto somos todos responsáveis por mudar essa realidade”.

Práticas de inclusão

Mudar essa realidade passa por desconstruir conceitos e repensar valores que levam ao que a professora chama de “cultura ‘jovem-cêntrica’”, na qual mais jovens são exaltados em detrimento dos mais velhos. Pessoas e empresas podem adotar atitudes que mudam as concepções e percepções sobre o idoso, como as conversas e as trocas de experiências. “Estimular cooperação entre gerações, por exemplo, pode minimizar conflitos no ambiente de trabalho. Programas de mentoria mútua ou reversa, em que os profissionais mais velhos dão mentoria e são mentorados pelos mais novos, podem ajudar no entendimento das gerações, troca e ampliação do conhecimento e inovação”, elenca ela.

Ana Flávia participa de um exemplo bem-sucedido destas práticas, desenvolvido com alunos e outros professores de Medicina da Unit Alagoas: o projeto de extensão Telelongevidade, que consiste em encontros virtuais e conversas entre os estudantes, as pessoas idosas e suas respectivas famílias, entendendo e esclarecendo o processo de envelhecimento humano. Eles estimulam habilidades de comunicação (oral e escrita), o trabalho em equipe, a criatividade, a participação em atividades de estimulação cognitiva e de vínculos sociais, e atividades como pintura, escrita, leitura, culinária, música e acolhimento.